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segunda-feira, 22 de agosto de 2011

P29BR 29ER TRIP / No Caminho de Santiago de Scott Scale 29 Pro - Dia 1

De Saint-Jean Pied de Port a Cizur Menor - 78Km

Cota mínima: 233 metros
Cota máxima: 1.480 metros



Já há muito tempo trazia comigo a intenção de cruzar o chamado Caminho Francês, ramo mais famoso e emblemático do mítico Caminho de Santiago, pedalando uma 29er. A idéia era unir peregrinação e superação física visando vencer os quase 800 quilômetros que separam a pequena cidade de Saint-Jean Pied de Port , localizada na região dos Pirineus franceses, de Santiago de Compostela na Galicia espanhola.

A descoberta do sepulcro do apóstolo Santiago, em princípios do século IX, gerou de imediato uma imensa corrente de peregrinação em direção ao ponto do território espanhol onde hoje está situada a cidade de Santiago de Compostela. O Caminho de Santiago alimentou durante os seus doze séculos uma corrente de extraordinária vitalidade espiritual, cultural e social. Devido à sua existência, cresceu na Europa uma grande rede assistencial. Foram construídos dezenas de mosteiros e catedrais, além de inúmeras cidades e núcleos urbanos que cresceram ao redor do Caminho, também conhecido como Rota Jacobéia.

Hoje é impressionante a estrutura oferecida para aqueles que desejam atravessar a Espanha rumo a Santiago de Compostela. Existem albergues criados exclusivamente para hospedar peregrinos em praticamente todas as inúmeras cidades por onde passa a Rota, que por sua vez é extremamente bem sinalizada com flechas amarelas pintadas em rochas, casas, muros, postes e onde quer que possa ajudar o viajante a se guiar através do Caminho. Os sinais de orientação são mantidos e muitas vezes repintados pelos próprios peregrinos.

Minha aventura começou mais precisamente na cidade de San Michel, vizinha de Saint-Jean Pied de Port , onde me hospedei no dia 26 de julho último para na manhã seguinte iniciar de fato minha pedalada de nove dias até Santiago de Compostela. A viagem de Bordeaux até San Michel já havia sido cansativa, contudo, para completar, a montagem da bike me consumiu um tempo considerável antes de poder dormir.

Hotel em San Michel

Por falar em bike, eu e meu parceiro de empreitada iríamos pedalar através do Caminho de Santiago usando o mesmo modelo de 29er, a Scott Scale 29 Pro, uma “velha” conhecida do público do P29BR e particularmente uma das minhas hardtails prediletas. No setup original realizei algumas alterações visando adequar o desempenho da Scale 29 às necessidades de uma viagem tão longa como esta. No cockpit, preferi montar a mesa e o confortável guidão riser de carbono da Trigon (http://www.29er.com.br/2010/07/p29br-29er-short-test-guidao-riser.html), já estou bastante acostumado com ambos e ainda salvei algumas gramas no peso total do conjunto. As rodas escolhidas para equipar a Scale 29 Pro foram as VZAN Extreme Disc 29 tunadas (http://www.29er.com.br/2011/07/p29br-29er-tuning-rodas-vzan-extreme.html), que apresentam uma relação rigidez X peso bastante favorável. Como já mencionei em outros posts, os pneus Schwalbe Rocket Ron são hoje, em minha opinião, os melhores para o aro 29 pensando num uso mais all-mountain. Como de costume, tive o cuidado de convertê-los para tubeless, ganhando em termos de conforto e principalmente confiabilidade.

Scott Scale 29 Pro pronta para a ação

Os alforges foram um caso à parte, diz a regra das cicloviagens que devemos levar somente o essencial em termos de bagagem, qualquer coisa além disso é peso extra...peso extra em uma viagem de 800Km vai sem dúvida nenhuma se transformar em uma dificuldade extra, por tudo isso, procurei levar a regra ao pé-da-letra. Usei apenas um alforge de guidão e outro traseiro bem pequeno, os dois da Topeak.

Voltando à pedalada propriamente dita, nesse primeiro dia eu e meu companheiro de viagem, o franco-brasileiro Laurent Tarnaud, não conseguimos acordar tão cedo quanto desejávamos. Partimos do hotel em San Michel pouco após as 9 horas da manhã de 27 de julho debaixo de uma chuva fina e intermitente, um ingrediente a mais para dificultar a já temida subida dos Pirineus franceses.

Vieira, símbolo do Caminho no calçamento em Saint-Jean Pied de Port

Em nossa primeira parada já dentro de Saint-Jean Pied de Port retiramos a imprescindível Credencial do Peregrino na secretaria de associação conhecida como  “Les Amis Du Chemin de Saint-Jacques”. Lá, simpáticos e experientes senhores que amam o Caminho de Santiago e já o percorreram diversas vezes, trabalham como voluntários, fornecendo as credenciais, dicas valiosas e toda a informação necessária para se chegar (inteiro) a Roncesvalles, já no lado espanhol da Rota Jacobéia. Falando um pouquinho mais sobre a credencial, ou o “passaporte” do peregrino, é com ela que o viajante tem acesso aos albergues de peregrinos, além disso, a credencial deve ser carimbada nas suas principais paradas, pois serve como documento comprobatório da peregrinação e dá direito à obtenção da Compostelana.

Momento da partida en Saint-Jean Pied de Port

Tudo pronto, finalmente poderíamos começar de verdade a percorrer o Caminho de Santiago. Fizemos uma oração antes da saída e ainda debaixo de chuva fina encaramos a primeira subida que em breve nos levaria ao alto dos Pirineus. Partimos de uma altitude de 233m com destino ao alto da montanha a 1.480m, seria mais ou menos como ir de Santos à Campos do Jordão, imaginando que as duas cidades estivessem separadas por apenas 20Km de distância, ou seja, iríamos encarar ladeiras com até 22.5% de inclinação, grande parte em asfalto.

Subindo os Pirineus

A subida era incrivelmente  íngreme, mas a sensação de estar escalando uma montanha “fora de categoria” na França somente três dias após o término do Tour, me fez sentir o próprio Adilberto Contador. Pedalava com uma vontade incrível, curtindo cada rotação do pedivela na minha Scale 29. Chegando a 800 metros de altitude uma neblina espessa já tomava conta da paisagem, fazia frio e o vento ficava cada vez mais forte.

 Paisagem da emocionante subida aos Pirineus

Estava ainda na metade do percurso até o topo, mas já me surpreendia com o número de peregrinos rumando para Santiago e subindo a montanha, eram centenas de caminhantes e alguns poucos ciclistas, uma proporção aproximada de 90% de peregrinos a pé e meros 10% de peregrinos de bicicleta. Havia gente de todos os cantos do mundo, inclusive japoneses e coreanos. A grande maioria parecia muito animada e, como eu, seguia uma tradição entre os peregrinos no Caminho de Santiago, desejávamos um “buen camino” um ao outro a cada vez que cruzava com alguém. Como era de se esperar, encontrei nesse dia muitas figuras curiosas, como a alemã que caminhava com seus dois cachorrinhos vira-latas e o mais incrível era que os cãezinhos carregavam a própria bagagem!

Cãezinhos peregrinos

A altitude ia crescendo e cada vez mais tinha certeza que a minha 29er era definitivamente o melhor veículo para vencê-la. Apesar dos pneus 2.25, depois que encontrei um ritmo interessante, guardando-se as devidas proporções, era como se estivesse numa bike de Speed, mas com o dobro do conforto. Cheguei por vezes até a esquecer que estava carregando quase 10Kg de bagagem distribuídos entre os dois alforges.

Neblina total no início da trilha a mais de 1.200 metros de altitude

A pouco mais de 1.200 metros de altitude e com visibilidade zero naquele dia, deixamos a estrada asfaltada e encaramos uma trilha de pedras e muita lama preta. É estranho e um pouco assustador não saber com exatidão o caminho por onde irá seguir, mas mesmo no alto da montanha a sinalização com as setas amarelas estava alí, sempre presente. Ultrapassei a fronteira da França com a Espanha  e continuei a subir por entre um bonito bosque até atingir a cota mais elevada do primeiro dia de viagem.


Com os Pirineus vencidos, deixei o meu Contador para trás e me então me “vesti” de Steve Peat. Um downhill incrível e úmido me esperava, cheio de curvas traiçoeiras e raízes, serpenteando por entre árvores, me levaria até Roncesvalles. Dessa vez eu me sentia numa etapa européia do Mundial de DH. Até o momento tinha pedalado menos de 30Km no Caminho de Santiago, mas mesmo com tão pouca quilometragem vencida, lembrava a todo instante da música do nosso Roberto Carlos, eram muitas emoções!

Estado crítico da trilha no alto da montanha

Nessa descida tive que parar algumas várias vezes. Infelizmente perdi um pouco de tempo com o alforge de guidão que teimava em abaixar e encostar na roda dianteira cada vez que a suspensão era comprimida por um obstáculo. Resolvi o problema com a principal ferramenta de todo ciclista, as abraçadeiras plásticas conhecidas como zip tie. Com exceção desse pequeno contratempo, a bike fazia curvas fantásticas por entre as árvores.

Já em Roncesvalles paramos um pouco para comer tortilla de batatas para então seguir à Pamplona, nossa meta final do dia. Seriam mais 48Km, agora sob o calor do verão europeu, num trecho dito como de dificuldade média-alta para ciclistas. O início parecia fácil e de grande beleza, deixando para trás os Pirineus, cruzamos inicialmente um pequeno povoado navarro e alguns riachos. Daí por diante começou uma montanha-russa por entre singletracks íngremes e cheios de pedras. Depois de atingir o chamado Alto de Erro, sentindo um pouco o cansaço dos vários tobogãs que já havíamos superado nesse primeiro dia de pedal, começamos uma longa descida à localidade conhecida como Zubiri, foi quando percebemos a falta que fazia uma buzina na bike. A trilha era estreita e nos deparamos com vários peregrinos a pé, pedia “permiso” aos caminhantes o tempo todo, mas alguns poucos ficavam às vezes irritados com a presença das bikes.

Riacho após Roncesvalles

Depois de 74Km, já no final da tarde, chegamos à grande cidade de Pamplona, imponente e mundialmente famosa por suas touradas e corridas de touros. Carimbamos as credenciais no posto de informações turísticas da cidade, paramos numa panadería (padaria) para comer um sanduba e, seguindo o conselho de um dos simpáticos “tios” de Saint-Jean Pied de Port, rumamos para a próxima cidade da Rota, um pequeno povoado a apenas 4Km de Pamplona, conhecido como Cizur Menor. Lá nos esperava um confortável albergue, onde, é claro, encontramos um outro brasileiro que fazia a pé o Caminho.

Albergue de peregrinos em Cizur Menor

Missão mais que cumprida nesse primeiro dia. Um pouco cansados após 10 horas de pedal, atingimos o objetivo inicialmente traçado e poderíamos agora descansar para o que viria no dia seguinte.

Continue acompanhando no P29BR os relatos da cicloviagem ao Caminho de Santiago.

Keep 29eriding!

Mais fotos em meu Facebook.

14 comentários:

  1. Fantástico Adil, muito bom! Já estou ansioso para saber do resto do relato. Ainda mais porque esse caminho é um sonho pessoal.

    Diga-me uma coisa: como se comportaram os freios à disco diante de situações tão desfavoráveis? Usou que tipo de pastilha?

    Um abraço!

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  2. Muito bom relato! Boa viagem na sequência

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  3. =) Emocionante! estou ansioso pelo restante da aventura!

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  4. Também estou ansioso para a próxima parte da viagem/peregrinação. Gostei dos cachorrinhos.

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  5. O relatorio esta 100% fiel a realidade, parabens Adil pelo conto e de novo muito obrigado pela companhia!!!
    Eu saiu com Pastilhas 50% Gastas, no terceiro dia fiquei sem, tinha levado um jogo mas consegui comprar um outro par!!! Tem que sair com pastilhas zeros, eu tinha quasi 20 kilos no alforges, entao sofreu muito!!!
    Laurent

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  6. Você está usando pneus Small Blocks????

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  7. Oi Carlos,

    O Caminho de Santiago é praticamente obrigatório para aqueles que amam bikes e cicloturismo.

    Eu usei as pastilhas originais do Avid Elixir, mas cheguei ao último dia com as pastilhas dianteiras no limite. Meu companheiro de viagem com o freio Avid XX teve que trocá-las no quinto dia, por isso é fundamental levar pastilhas extras. Dependendo do seu estilo de pilotagem, peso da bike, etc, vai demorar mais um menos para gastar.

    Abs,

    Adil

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  8. Olá pessoal,

    Obrigado por acompanharem os relatos. Neste final de semana tem mais.

    Abs,

    Adil

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  9. Valeu Laurent,

    De fato você foi um herói em carregar tanto peso num trajeto tão duro como esse.

    Abs,

    Adil

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  10. Olá Dubiker,

    Estou usando os pneus Schwalbe Rocket Ron 29x2.25, meus prediletos para uso all mountain no aro 29.

    Abs,

    Adil

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  11. Relato muito bom!
    Tenho este caminho com um objetivo de vida no pedal. Ainda o faço com minha esposa, mas por enquanto ainda estamos no mundo 26".
    Estou descobrindo esse mundo da 29er e quem sabe faço um teste em breve.
    Abraços e bom pedal.

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    1. Olá Rafael,

      Em caso de dúvidas, me escreva. A viagem vale muito a pena.

      Abs,

      Adil

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  12. ¡Ahhhh, yo quiero hacerlo!! Pero como comentamos el sábado, más tranquilo, sin prisa para poder detenerme a tomar fotos o quedarme más tiempo donde me guste. Gracias, Adil!

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    Respostas
    1. Hola Carina,

      Es el viaje perfecto para los amantes de la bici!

      Me pueden preguntar todo lo que quieran.

      Saludos,

      Adil

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