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terça-feira, 4 de outubro de 2011

P29BR 29ER TRIP / No Caminho de Santiago de Scott Scale 29 Pro - Dia 4

De Burgos a Sahagún - 125Km

Cota mínima: 800 metros
Cota máxima: 920 metros

Paisagem nas proximidades de Hontanas

Ah, a casa paroquial de Burgos! Já passava das 20 horas, um horário um pouco avançado para quem busca um albergue no Caminho. Lá estava eu, morrendo de fome após o terceiro dia de pedal, mas as perspectivas de fazer um bom jantar pareciam ótimas, afinal me encontrava numa grande cidade e na pior das hipóteses iria encarar um triplo do Burguer King, igual ao que estampava alguns dos diversos outdoors que me acompanhavam pelo centro de Burgos, entretanto, antes de tudo deveria fazer o “check-in” no Albergue Peregrinos de Emaús.  Como em todo grande centro, demorei um pouquinho a encontrar o caminho correto até a Igreja de San Pedro Obrador, contudo como Burgos é um lugar de gente simpática e almas boas, uma senhora que passeava com seu “perrito” se propôs a me levar até a casa paroquial da igreja onde ficaria hospedado naquela noite.


Interior luxuoso na Casa Paroquial de Burgos

Ainda estava claro quando toquei a campainha. Como o agente de turismo já havia ligado avisando que eu chegaria, o padre e um voluntário me esperavam. Fui recebido com um grande entusiasmo pelos dois, parecia o albergue perfeito. Guardei a bicicleta num anexo da igreja, uma sala fechada à chave e com paredes de ferro, fiquei tranquilo, a Scott Scale 29 Pro estaria duplamente segura por lá. Entrando no albergue propriamente dito, me pediram para tirar a sapatilha e deixar numa sala onde também estavam os sapatos de todos os outros peregrinos hospedados lá naquela noite. Então me explicaram os regulamentos do local e, para minha surpresa, era oferecido jantar e café da manhã, uma raridade em se tratando de um albergue de peregrinos. Outra particularidade residia no fato do valor da diária ser livre, cada hóspede deixava o quanto quisesse. Subi uma imponente escada de mármore, com pinturas nas paredes e lustres de cristal pendurados no teto, um luxo. Depois dos últimos dias, aquilo tudo para mim parecia um hotel 5 estrelas. Levaram-me até os quartos, desta vez cabiam “apenas” oito pessoas em cada um. Os móveis eram bem cuidados e os beliches confortáveis, havia cobertor e roupas de cama limpinhas. Meus companheiros de quarto eram na maioria italianos, todos bastante comunicativos. Após um banho megarelaxante, seria servido o jantar, quando aproveitaria para conhecer os demais hóspedes. Eram apenas 19 pessoas, divididas entre 8 italianos, 4 franceses, 3 coreanos, 2 ingleses, 1 americano e somente eu de sulamericano. Nessas horas é bom ser brasileiro, porque todo mundo quer falar contigo e saber mais sobre nosso país.

Entrada do albergue em Burgos

O Evangelho de Lucas conta uma passagem acontecida dias após a crucificação de Jesus, quando dois discípulos caminhavam com destino à aldeia de Emaús. Ainda abatidos pela morte do Cristo, ganharam a companhia de outro peregrino, um homem até então desconhecido, mas que parecia muito sábio. Quando chegaram a Emaús, o estranho pretendia seguir viagem, mas os dois discípulos se mostraram acolhedores e o convenceram a ficar com eles naquela noite. Durante a ceia perceberam que o estranho era ninguém  menos que o próprio Jesus! Após contar essa passagem bíblica contextuando o nome escolhido para o albergue, o padre nos levou à mesa e fizemos uma oração em conjunto, foi então finalmente servida a comida preparada por um casal voluntário.

Sala de jantar no albergue em Burgos

Para quem havia pedalado quase 130 Km naquele dia, uma sopinha de cebola parecia um prato um tanto quanto leve! Comi, conversei, me diverti, mas terminei o jantar ainda com um buraco no estômago e uma fome considerável. De qualquer forma, estava tranquilo, o BK me aguardava lá fora. Pegaria mal dizer que queria sair para um jantar de verdade, assim tive a ideia de dar um “migué”, falei que estava sem shampoo e iria ao supermercado para comprar um. O padre mais que depressa mandou a voluntária me dar um tubo grande de shampoo que estava entre os achados e perdidos do albergue, foi então que percebi que me encontrava enclausurado por aquela noite. A regra é: entrou na Casa Paroquial, só sai na manhã seguinte. Ainda bem que nem tudo estava perdido, de sobremesa serviram uns deliciosos iogurtes de frutas...fui obrigado a comer vários potes!

Após uma agradável noite de sono, acordei às 5:45h sem despertador. Já havia me condicionado a levantar cedo sem grandes esforços. Às 6 da madruga cantos gregorianos começaram a ecoar por todo o albergue, inclusive no banheiro como você, blog-leitor, poderá comprovar nesse vídeo que eu fiz. Confesso que vivi alí uma experiência única.


O café-da-manhã foi simples, mas bastante bem vindo. Por conta de toda hospitalidade, paz e conforto experimentados no Albergue Peregrinos de Emaús, deixei uma colaboração de 20 Euros e parti para mais um dia de longas pedaladas.

Logo na saída de Burgos reencontrei meu companheiro de viagem que tinha passado a noite em um tradicional hotel da cidade. Alguns quilômetros depois, em Villabilla de Burgos paramos  para um suco de laranja e um ótimo croissant. A partir daí nos separamos outra vez e seguimos um sobe e desce interminável pelas bonitas estradas da região, onde encontrei um médico a bordo de uma full-suspension da marca francesa Lapierre. O biker, Dr.Eduardo, estava em seu primeiro dia de férias de verão e vinha pedalando desde Burgos. Ele me acompanhou por mais uns 15 quilômetros, tiramos umas fotos, nos despedimos e o novo amigo aproveitou para deixar algumas dicas valiosas sobre o belo trecho que viria pela frente.

 Pedalando nas proximidades de Hontanas

Se o primeiro dia de viagem foi o Dia do Deslumbramento, o segundo se tornou o Dia do Questionamento, o terceiro eu defini como o Dia da Afirmação, este quarto dia de peregrinação pode ser considerado o Dia do Divertimento. 

Ruínas do Convento de San Antán nas proximidades de Castrojeriz

Com quase 40 Km pedalados cruzei as impressionantes ruínas do Monastério de San Antán e a partir daí já avistava a incrível cidade de Castrojeriz, um povoado com pouco mais de mil habitantes e um patrimônio histórico, arquitetônico e cultural inestimável. Um daqueles pontos do Caminho que merecem uma visita mais abrangente. Na cidade, supostamente fundada pelo imperador romano Julio César, se destacam na paisagem as ruínas de um importante castelo, onde cristãos e mouros travaram ferozes batalhas durante a Idade Média. O castelo, que está localizado no ponto mais alto de Castrojeriz, era cercado por muralhas que foram destruídas num grande terremoto acontecido no ano de 1755, mas ainda assim a construção se conserva impactante.

Chegando à incrível Castrojeriz
No centro da pequena cidade encontrei um bar/albergue mantido por um brasileiro que afirma ter recebido até o próprio Paulo Coelho em peregrinação. Logo depois fui abordado por um grupo de ciclistas baianos em plena Plaza Mayor do povoado! Para quem quiser se hospedar na bela Castrorejiz, na saída da cidade há um albergue que faz parte da rede Bike Line, um local adaptado e preparado para receber ciclistas em viagem.

Albergue brasileiro em Castrojeriz

Deixando Castrojeriz  para trás, avistei no horizonte um planalto com uma estradinha cortando suas encostas. Aquela estradinha na realidade fazia parte do Caminho e era de fato uma subida louquíssima, com nada menos que 12% de inclinação. Escolhi uma marcha confortável, com alguma dificuldade por conta da falha recorrente nos trocadores SRAM X.7, imprimi um ritmo confortável e comecei a subir. Durante a escalada, cruzei com uma dezena de ciclistas-peregrinos. Todos, sem exceção, se espantaram com o desempenho da Scale 29 Pro nessa subida forte. Lembrei imediatamente do pré-conceito que muita gente tem a respeito das bikes equipadas com rodas de 29 polegadas, achando que elas não sobem tão bem, pura lenda!

Subida forte após Castrojeriz

No topo do planalto a vista de toda a região em 360 graus era sensacional. Estava tão fissurado com a subida que nem parei para descansar, segui pedalando por aquela terra maravilhosa e, claro, tudo que sobe, tem que descer. O downhill do outro lado da montanha era adrenalina total, ainda mais com a bike carregada.

Vista do Canal de Castilla nas imediações de Frómista

Algumas pedaladas a mais e alcancei outra parte do trajeto de encher os olhos, uma estrada de terra, totalmente plana e arborizada às margens do famoso Canal de Castilla, uma obra prima de engenharia hidráulica construída entre os séculos XVIII e XIX para escoar a produção de trigo da região. São nada menos que 207 Km de canais, mas particularmente esse trecho nas proximidades da cidade de Frómista era delicioso de se pedalar. A curiosidade fica por conta de ter sido o único local em todo o Caminho onde me deparei com peregrinos a cavalo.

Cruzando o Canal de Castilla

O sol estava fortíssimo, mas a beleza da paisagem era tamanha que me fazia esquecer por completo de qualquer dificuldade. Tanto assim que somente quando atingi o viaduto sobre a autoestrada A-67 é que me dei conta que já havia pedalado quase 5 horas, tudo isso com curtíssimas paradas que juntas não somavam mais que 15 minutos. Era essa a energia que o Caminho transmitia e que me mantinha sempre forte em meus propósitos de seguir em frente.

A caminho de Carrión de los Condes

Dalí até a simpática localidade de Carrión de los Condes, o Caminho acompanhava a estrada P-980, uma grande reta cortando uma sucessão de pequenas colinas. Cheguei ao posto de informações turísticas em Carrión na hora do almoço, carimbei  a Credencial do Peregrino e fui comer uma apetitosa morcilla acompanhada de...Coca-cola, claro! Estava tão a fim de pedalar que preferi não ficar descansando, subi na bike e fui encarar mais um trecho do Caminho, não sem antes me perder na saída da cidade. Percebi estava na zona rural de Carrión de los Condes e nada das setas amarelas para me indicar por onde seguir, pior que não havia para quem perguntar. O jeito foi retornar e procurar os sinais.

Posto de informações turísticas em Carrión de los Condes

Encontrado outra vez o caminho no Caminho, me deparei com um trecho pesado. Não tinha variação de altitude ou curvas difíceis, na realidade se tratava de uma grande reta sem nada de sombra. Por “grande” entenda-se 16 longos quilômetros na Planície de Castela. Mais uma vez aqui tirei proveito das características da 29er, consegui imprimir um bom ritmo e vencer o retão com muito mais prazer que sofrimento. No final do trecho cheguei a um minúsculo povoado e parei no único bar para me hidratar, para minha surpresa fui atendido por um brasileiro da cidade de Guarulhos-SP! Por mais surreal que pareça ser o fato de encontrar um conterrâneo num lugar tão improvável como esse, o motivo até que não foi difícil de descobrir, uma mulher. Evito frases feitas, mas sem dúvida, o amor é lindo...
Retão "interminável" até Calzadilla de la Cueza

Do povoado de Calzadilla de la Cueza até meu destino final do quarto dia de viagem foram mais 21 agradáveis quilômetros cruzando pequenos pueblos e paisagens áridas. Estava atingindo naquele dia a metade do trajeto rumo a Santiago de Compostela. Cheguei relativamente cedo à histórica Sahagún e me hospedei num albergue privado da Rede Bike Line. Enquanto eu tomava um longo banho o pessoal do albergue lavava a minha bike, minhas roupas sujas nem precisei colocar na máquina, me trouxeram todas elas limpinhas no final da tarde. Serviço de primeira. Havia um ótimo bar junto à hospedaria e computadores com acesso à internet, Skipe e web cam. Tudo muito bom, com exceção do quarto, um grande galpão com quase 100 vagas em beliches com colchões plásticos, o que me obrigaria pela primeira vez usar meu saco de dormir como roupa de cama. Ainda assim, valeu muito a pena a atenção e a mordomia.

Tirei o começo da noite ainda ensolarada de Sábado para fazer mais uma daquelas refeições de rei por apenas 10 Euros, reencontrei meu companheiro de viagem e aproveitei para conhecer o albergue municipal de Sahagún onde ele havia se hospedado. Apesar de instalado numa igreja antiga, um lugar pitoresco, em termos de conforto e serviços perdia de 10 a 0 para o Albergue Viatoris onde eu fiquei. Uma confirmação daquela minha teoria sobre dar preferência aos albergues privados.

O domingo prometia grandes emoções, passaria por cidades tradicionais e tentaria terminar o mais alto e próximo possível da Cruz de Ferro, um dos ícones do Caminho de Santiago.

Continue acompanhando no P29BR os relatos da cicloviagem ao Caminho de Santiago.

Keep 29eriding!

Mais fotos em meu Facebook.

8 comentários:

  1. Caramba, Adil...já tava preocupado com a continuação da sua Cicloviagem!
    Mas valeu muito a pena esperar. As fotos e o relato ficaram ótimos!
    Não consigo imaginar o que poderia ser acordar ouvindo Canto Gregoriano. Deve ter sido uma belíssima e profunda experiência espiritual.

    Curti muito seu "Dia do Divertimento", hehehe!

    Vê se não demora pra postar os outros relatos pra fechar a viagem...senão vou ficar sem as unhas!

    Grande abraço!

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  2. Ola Adil, so nao falou que os 16km estava sem agua nenhuma e sem aviso, por isso levam agua e vai maneirando!! Foi um dia maravihoso mas foi duro, fiquei de capa de chuva o dia inteiro, tao medo de me queimar a sol!!
    Parabens pelo otimo conto!!
    Laurent

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  3. Bom levar um rango pra dentro do mosteiro antes de entrar. Vlw a dica...rs

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  4. Bela narrativa. A narração de cada trecho do percurso nos desperta um maior interesse pela continuação, e uma incrível vontade de fazer o caminho. Parabéns Adil.
    Minha saga 29 tá quase pronta. Só falta a suspa, ta chegando.
    Abraços.

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  5. Já virou um clássico da literatura 29er....

    Quando sai a versão impressa? :)

    Abração!

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  6. Olá meus amigos,

    Fico contente que meus amigos, tanto os mais novos, quanto os de longa data como o Marcelo, estejam curtindo a narrativa.

    Na semana que vem tem mais.

    Abs,

    Adil

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  7. Pena que não tenha um blogue só com a viagem. Já me perdi no meio das 29.
    Sou de Portugal, e fiz exactamente essa travessia à 2 anos atrás com a minha velhinha BH Sierra Nevada. Tenho uma spark30 26" de 2011, mas andava com a ideia de a trocar por uma scale 29, para fazer agora o caminho de Aragonés. Se tinha dúvidas, fiquei sem elas. Coo se diz por cá - Bora lá. Só que desta vez não vou levar o alforge do guiador - também da topeak - da outra vez deitou-me ao chão....

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  8. Olá depinho,

    Se você fizer o Caminho de Scale 29, vai gostar ainda mais. No final da semana devo publicar o 5º dia de pedalada.

    O meu alforge do guiador também deitou no primeiro dia, mas aí fizermos um reforço com abraçadeiras plásticas e ele aguantou bem até o final. De qualquer forma, o alforge dianteiro é realmente frágil.

    Abs,

    Adil

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